Anteriormente, brinquei que aqui no Brasil a situação é tão feia que o incremento dos anos de escolaridade estaria correlacionado à morte prematura — o que é contraintuitivo e errado! Abaixo, um dos gráficos que usei para ilustrar este “mistério”:
A qualidade dos dados é mesmo um tanto quanto baixa, neste quesito. Muitas Declarações de Óbito possuem anotado “escolaridade: desconhecida” (o NA dos gráficos) — ou sequer possuem este campo preenchido. Portanto há um bom número de óbitos cuja escolaridade real do falecido não foi devidamente anotada e, sendo assim, perdemos uma boa quantidade de detalhes.
Mas esta não é toda a história! Uma antiga fábula dá conta de explicar o que ocorre acerca deste desconcertante mistério:
diz a lenda que no Pronto-Socorro de um hospital muito grande em uma grande metrópole notou-se um mistério: a maioria dos motociclistas acidentados que chegavam à Emergência vinham a óbito se estivesse usando capacete — usar capacete ao andar de moto, pois, diminui suas chances de sobreviver !?
O mistério da fábula é facilmente compreensível: na realidade, a maioria das colisões envolvendo motociclistas que não usavam capacete resultava em morte, e mortos não são levados a hospitais, mas ao IML. A maioria dos motociclistas envolvidos em colisões que chegavam ao hospital da fábula usava capacete, e deste tanto alguns morriam. Computando apenas os motociclistas envolvidos em colisão e que morreram no hospital, a maioria usava capacete — pois houve um número muito baixo de motociclistas envolvidos em colisão e que não usavam capacete chegando lá no hospital, pra começar.
Nosso “mistério” é similar a este. A maioria dos óbitos ocorre entre gente bem idosa. A triste realidade é que a escolaridade brasileira há varias décadas era muito baixa, então a maioria das pessoas bem idosas que morre é de gente com baixa escolaridade. Gente que frequentou o Ensino Médio ou o Superior tende a tê-lo feito nas últimas poucas décadas, e tende a ser mais jovem.
Vejamos: abaixo, a proporção de escolaridade, por Sexo e “Raça”, dentre os mortos com mais de 70 anos:
Em 1971, quando estas pessoas tinham por volta de 20 anos ou mais, a proporção de brasileiros com o Ensino Médio completo era bastante baixa — e isso se reflete na baixa proporção de falecidos com 12 ou mais anos de escolaridade.
Uma coorte mais jovem de falecidos apresenta uma distribuição de escolaridade bem diferente:
Dentre os mais idosos (menos frequentemente vítimas de homicídio), a situação é a seguinte quando são consideradas apenas os assassinatos e afins:
Conforme esperado, mesmo considerando as vítimas de latrocínio e afins, boa parte dos homicídios ocorre entre jovens envolvidos em atividades criminosas. Espera-se que o investimento individual de tempo e de recursos dispendido em educação sirva, dentre outras coisas, para desincentivar os jovens a ingressar em grupos criminosos com elevado risco físico. Parece ser o caso, pois as vítimas mais jovens de homicídio — a maioria do caso — apresentam proporção de escolaridade mais baixa com maior frequência do que os mortos jovens quando consideramos todas as causas.
Quanto aos muito idosos (80 anos ou mais) que morreram em 2021, a proporção de escolaridade era a seguinte:
Poucos idosos com 80 anos ou mais foram vítimas de homicídio. As ausências chegam a ser mais interessantes do que as presenças:
Então o “mistério” não existe, é apenas um viés cognitivo decorrente da seleção amostral. Estudar não encurta a vida, exceto nalguns casos de latrocínio.