Romantismo Bucólico & Ambientalismo
Como ingenuidade entusiasmada, em conjunto com a idealização do passado, produz noções perigosas ao meio-ambiente, ao bem-estar humano e à sociedade.
De boas intenções…
A maioria das pessoas interessadas em preservação ambiental e afins é leiga. Não há problemas neste fato: especialistas em qualquer assunto tendem a ser bastante raros. O interessante de notar, neste caso específico, a composição majoritariamente leiga dos interessados pelo assunto é que a recorrência de temas, figuras de linguagem e afins revela um forte apelo estético. Ouso dizer que o que atrai a maioria das pessoas interessadas nisso é senso estético.
A apreciação estética pela “beleza intocada da paisagem virgem”, idealização dos velhos tempos bons da vida simples do campo e fantasias sobre a inocência benevolente dos povos primitivos motivou — e ainda motiva — a maioria das pessoas com algum interesse pela preservação ambiental. Quase certamente uma pessoa comum e simplesmente interessada pelo tema, hora ou outra, revelará ao menos uma destas figuras estéticas acima mencionadas. Ativistas frequentemente desenvolvem suas propostas (ou simples protestos) baseando-se em seu apego estético pela idealização bucólica do mundo e/ou do passado: e com ainda maior frequência apelam para este senso estético.
Fosse simples motivação inicial, não haveria problema algum. Entretanto, as frequentes convergências entre propostas ignorantes (e frequentemente nocivas) ideologicamente motivadas e esta motivação estética resultam em políticas inadequadas para o meio-ambiente: justamente de grupos e pessoas que alegam interesse por sua preservação — e na enorme maioria das vezes este interesse é sincero.
Todo tipo de concepção política, econômica e social com idealização do mundo pré-moderno ou ojeriza ignorante ao mundo moderno frequentemente converge para a apreciação estética do romantismo bucólico, de forma que uma coisa alimenta a outra e, juntas, elas frequentemente resultam em propostas ineficazes ou até danosas.
É desta maneira que diversos tipos de noções religiosas conservadoras permeiam o ativismo ambiental — e é por isso que há uma vaga noção de embate entre “pecados” e “redenção”, “retribuição vingativa da ‘Natureza’ “, “ganância” humana e idealização da vida monástica de labor e contemplação em pequenas sociedades “em harmonia com a Natureza”. E é por isso, também, que frequentemente há um quê de urgência milenarista apocalíptica em muitos grupos e personalidades ativistas.
Também é desta maneira que diversas noções anti-industriais e anti-Capitalistas ingressam no ativismo ambiental. Não há só analogias diretas com os temas religiosos anteriormente mencionados, mas concepções (geralmente muito equivocadas) sobre o mundo atual e pretérito, ideologicamente motivadas. Para quem crê (porque geralmente é mera crença) que o Capitalismo é o mal maior do mundo e precisa ser urgentemente combatido, custe o que custar, enxergará na estética bucólica romântica fantasias fáceis de se confirmar as próprias crenças.
Um futuro diverso do presente
Os avanços tecnológicos dos últimos dois séculos resultou num acúmulo inimaginável de riqueza em praticamente todas as sociedades humanas, com importantes desdobramentos no bem-estar das pessoas. A mortalidade infantil despencou (e, com isso, as taxas de natalidade diminuíram), a ingestão calórica média da humanidade aumentou significativamente, a expectativa de vida aumentou. Há cada vez menos miseráveis e cada vez mais gente sabe ler.
A população rural é cada vez menor, também. A área cultivada, igualmente, vem encolhendo: em contrapartida, já produzimos mais alimentos do que o necessário para nutrir toda a humanidade. Nossos alimentos são melhores, mais nutritivos, mais baratos (e portanto mais acessíveis) do que no passado: e cultivados com maior parcimônia no uso dos recursos naturais.
A consequência disso é que, por exemplo, a área coberta por florestas no oeste da América do Norte é maior hoje do que quando os europeus chegaram ao Caribe, há cinco séculos. A Europa também tem hoje a maior cobertura florestal dos últimos cinco milênios. As pessoas tem cada vez mais tempo livre e geralmente não estão presas a tarefas domésticas que, hoje banais, consumiam boa parte de um dia, como obter e preparar água, preparar comida, lavar roupas.
Pela dependência atual da imensa maior parte da população humana em relação à lenha ser muito baixa, por exemplo, isso por si só auxiliou na recuperação de áreas outrora exploradas à exaustão para a simples obtenção de combustível necessário para iluminação, aquecimento, cozimento e produção de itens de consumo, como metais, cerâmica, vidro, etc.
As fantasias bucólicas de boa parte do ativismo ambiental, em conjunto com as tendências anti-modernas e anti-Capitalistas de parte significativa deste ativismo, projetam para o futuro medidas que se contrapõem às conquistas recentes da humanidade. Atacam a produção em escala, o livre comércio, as tecnologias agrícolas, a urbanização. Fantasiando um passado inexistente de melhor coexistência com “a natureza”, veem nas soluções modernas, que de fato promoveram preservação e até recuperação ambiental, uma ameaça demasiado séria ao futuro da humanidade e do planeta.
Atualmente há questões seríssimas a respeito dos impactos das atividades humanas no meio-ambiente, impactos em escala planetária. A resolução destes problemas não é simples e há impedimentos técnicos relevantes que demandam foco em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. De forma alguma as propostas que se opõem direta ou indiretamente aos avanços recentes ajudam a solucionar o problema: e, de fato, são aptas a piorar não só a qualidade do meio-ambiente, mas o bem-estar das populações humanas.
Um passado que não existiu
Tomando apenas a Europa e Oriente Médio como exemplo, os últimos oito milênios, no mínimo, testemunharam profunda deterioração dos biomas nativos, extinção de várias centenas de espécies, introdução de espécies animais e vegetais exóticas como cultivares para interesse humano, exaustão dos solos, contaminação dos solos e das águas.
Há quatro milênios, praticamente todas as árvores nativas da Grã-Bretanha foram derrubadas para dar lugar às lavouras e ao pasto, com bosques cultivados especificamente para a obtenção de lenha e madeira de construção. Paisagens de belas pradarias verdejantes às encostas de montanhas e falésias não compõem a situação original dos belos prados britânicos, mas são o legado da atividade humana após milênios de agricultura, pastoreio, mineração e urbanização.
Mas ainda antes do neolítico, os caçadores-coletores da região domaram as florestas com fogo, selecionando a flora e fauna que lhes convinha preservar para, justamente, a caça e a coleta. Conflitos recorrentes por recursos e domínio territorial persistiram de maneira incessante até o surgimento dos primeiros Estados capazes de controlar vastos territórios.
As pessoas se alimentavam de alguns poucos cereais e vegetais, com consumo ocasional de carne, leite e ovos, havendo pouca diversidade de nutrientes e frequentemente desenvolviam quadros clínicos decorrentes da desnutrição. Cultivavam o campo com tóxicos agressivos, como metais pesados, contaminando o solo, a água, exterminando a fauna e flora nativa e intoxicando agricultores (e até consumidores) com venenos poderosos.
De maneira análoga, praticamente todo o planeta passou por ocorrências similares. E frequentemente civilizações primitivas exauriram o ambiente no qual viviam, como ocorreu na Ilha de Páscoa. Não há, de fato, “harmonia do homem primitivo com a natureza”. Não é no passado que residem as respostas de como se obter um futuro melhor para nós e para o meio-ambiente.
O maior problema da apreciação estética pelo romantismo bucólico é que ele é a idealização de uma fantasia. Como mera apreciação não há problemas, mas crer nesta fantasia frequentemente induz a erros graves. E erros deste tipo são recorrentes em boa parte do ativismo ambientalista.
Quando o tiro sai pela culatra
Há ativismo ambientalista responsável e embasado no melhor conhecimento técnico sobre diversos temas? Há. Mas infelizmente o mais divulgado e o que tem maior alcance tem maior compromisso com concepções equivocadas do passado, do presente e do futuro. E muitas “conquistas” são tiros que saem pela culatra.
Um exemplo bastante simples é a bandeira de “energia renovável” dos ambientalistas. Porque ela lida com um problema real e bastante sério — as consequências nocivas da nossa dependência dos combustíveis fósseis. Mas esta bandeira comete erros graves, com consequências danosas às pessoas e ao meio-ambiente.
Primeiro, algumas matrizes energéticas renováveis implicam custos ambientais consideráveis. Queima de biomassa (biodiesel) é queima de biomassa: suas consequências não são muito distintas das de incêndios florestais. Biodiesel implica uso de terreno para cultivo vegetal, frequentemente de cultivares também usados para a alimentação, concorrendo diretamente com a produção de alimentos (e, potencialmente, encarecendo-os). Além da extensão territorial, este cultivo demanda aporte de água, fertilizantes, defensivos agrícolas, maquinário e/ou trabalho humano para o trabalho no campo e demanda soluções logísticas para seu beneficiamento.
Transformar matéria vegetal em biodiesel tem um elevado custo energético e alto consumo de água, também emite bastante gases-estufa. O biodiesel obtido é, novamente, dependente de soluções logísticas energeticamente custosas para sua distribuição. Por fim, seja em veículos ou usinas, este biodiesel será simplesmente queimado, emitindo gases-estufa.
Biodiesel é uma das componentes menos espertas da bandeira “fontes renováveis de energia”, mas está lá por um motivo: densidade energética relativamente alta, fácil de manejar e transportar e armazenar, relativamente barata e bastante “reliable”: tendo estoque suficiente, pode-se queimar biodiesel quando for necessário, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer época do ano, não importando nebulosidade, direção e velocidade do vento, etc.
Biodiesel complementa matrizes energéticas muito mais ineficazes, muito mais caras, que necessitam de muito maior área e cuja produção energética depende de fatores incontroláveis: a solar e a eólica, as matrizes campeãs do ativismo ambiental. Estas matrizes são, sim, interessantes. Como complemento, são ótimas. Quando se tem insolação anual suficiente ou vento sustentado anual adequado, são ótimas oportunidades de investimento. Mas elas não são uma solução em escala planetária para o problema da dependência da matriz fóssil.
Tanto é que estas matrizes convivem bem com as matrizes fósseis, pois não concorre com elas: são um complemento. Frequentemente as campanhas de adoção massiva de matrizes renováveis dependem de maior uso de biodiesel (ou seja, de equivalentes a incêndios florestais) e de maior uso de combustíveis fósseis — ao mesmo tempo em que se investe pesado em subsídios para as matrizes renováveis.
A maior concorrente das matrizes fósseis é a energia nuclear. Ela não emite quantidades significativas de gases-estufa, sua produção é sob demanda e majoritariamente independente da situação ambiental circundante, sua densidade energética é muito maior do que a dos combustíveis fósseis. Pesa contra ela o custo inicial dos projetos e o controle burocrático e físico muito restritivo de material físsil, uma necessidade cautelar muito justificável.
Quando o mainstream do ativismo ambiental demoniza a energia nuclear, o tiro sai pela culatra: tarifas sobre energia muito mais caras convivendo com o aumento de emissão de gases-estufa, ou seja, resultados opostos aos objetivos alegados pelo ativismo ambientalista.
Este é apenas um exemplo de quando o tiro sai pela culatra no ambientalismo.
Um futuro possível
Os últimos pouco séculos testemunharam imenso progresso na qualidade de vida humana, na prosperidade, saúde e bem-estar das populações e na preservação ambiental. Entretanto, paradoxalmente, este progresso é dependente de uma matriz energética com desdobramentos nocivos e contraproducentes ao próprio progresso obtido pelo uso desta matriz energética. Somado a este problema há os diversos problemas oriundos da escala das atividades humanas, ou seja, de destinação de dejetos e recuperação de solos e águas das exigências agrárias da humanidade.
Não são problemas simples. Longe disso.
Sabemos, no entanto, que a solução passa por avanços tecnológicos específicos. Avanços na geração de energia em grande escala, a custo baixo, independente da matriz fóssil e com baixa ou nenhuma emissão de gases-estufa. Avanços na produtividade agrícola, produzindo mais e melhores alimentos e exigindo cada vez menos território, menos água, menos insumos e usando insumos cada vez menos nocivos e mais biodegradáveis. Avanços na tecnologia de materiais, encontrando soluções em grande escala e a custo baixo para melhorar ou substituir materiais atuais cuja produção ou utilização demandam tanto grande custo energético quanto muita emissão de gases-estufa (especialmente concreto, asfalto, vidro e aço).
Curiosamente, muitos avanços notáveis em elementos tecnológicos de importância destacada para um futuro sustentável são rejeitados pelo mainstream do ativismo ambiental. Energia nuclear, GMOs, defensivos agrícolas modernos, mecanização do campo, adensamento urbano, etc, que são propostas atuais e bastante promissoras de solução parcial para os problemas ambientais, são costumeiramente rechaçados e rejeitados pelo ativismo ambiental.
Isso ocorre, em parte, porque estas propostas são “mais do mesmo”, simplesmente permitem uma “vida moderna” urbana, industrial, comercial — e muitos diriam “liberal-burguesa”. Muitas propostas do ambientalismo mainstream promovem uma drástica alteração com traços de romantismo bucólico, como barcos à vela, vilarejos arborizados rodeados por moinhos de vento high-tech, sacolas de cânhamo, embalagens de papel, etc. O problema é que buscar um futuro com base no apreço estético de uma passado idealizado e em concepções erradas sobre economia e sociedade garante uma coisa: desastre.
OBS: este texto foi primeiramente publicado por mim em setembro de 2019, no Medium.