Parece ser prudente supor que, quanto maior o grau de escolaridade de uma pessoa, maior sua expectativa de vida. Entre outras coisas porque alta escolaridade é correlacionada a melhores condições sócio-econômicas e porque se supõe que jovens que muito investiram em estudos tenham menor incentivo para ingressar em atividades criminosas de elevado risco físico.
É bem verdade que não é assim tão raro vermos médicos, advogados ou engenheiros, ou mesmo Acadêmicos de carreira ou pesquisadores, com sobrepeso e um estilo de vida sedentário — o que tende a lhes diminuir a expectativa de vida. Entretanto, pessoas com alta escolaridade tendem a ter rendimentos mais elevados, a residir em áreas mais seguras e a possuir maior acesso aos serviços de saúde (inclusive privados) e saneamento básico.
Nas Declarações de Óbito constam o campo “escolaridade”, com a seguintes opções, em ordem crescente: Nenhuma, de 1 até 3 anos, de 4 até 7 anos, de 8 até 11 anos, 12 anos ou mais. Ou podem não preencher o campo (o que ocorre muito frequentemente). Usando dados do sistema SIM-DO, é possível investigar a idade ao morrer e os anos de escolaridade.
Abaixo, um gráfico que cruza anos de escolaridade e idade média ao morrer, por “raça”:
Minha primeira suposição foi a seguinte: a média da idade ao morrer parece diminuir com a escolaridade porque esta é a notável diferença entre homens e mulheres quanto a isso. Décadas atrás, menos mulheres tinham oportunidade de investir muito tempo em escolaridade, então as médias das idades enviesariam para baixo por causa da maior proporção de homens com maior escolaridade. E homens tendem a morrer mais cedo.
Bela hipótese. Mas provavelmente errada. Mesmo segregando entre os sexos, escolaridade mais alta está associada a médias mais baixas de idade ao morrer!
Parece que o termo “morrendo de estudar” tem alguma veracidade, não!? A queda da idade média de óbito conforme os anos de escolaridade aumentam é especialmente notável para indígenas, inclusive para mulheres. É algo muito curioso, de fato. Um mistério.
Poderiam tais médias serem enviesadas por homicídios? Jovens tendem a ser as vítimas mais frequentes de homicídio, e hoje uma proporção bastante grande dos jovens tem maior escolaridade. Talvez o que ocorra é que a sobrerrepresentação de jovens assassinados e com escolaridade mais elevada enviese as médias. Basta checar:
Note que no gráfico anterior, a escala vertical da média masculina de idades ao morrer por homicídio é diferente da escala feminina. Homens morrem mais e, em geral, mais cedo, quando são vítimas de homicídio.
Talvez a média em si seja uma métrica enviesada. Comentei antes que frequentemente é mais interessante considerar a idade modal de óbito. Vejamos:
A coisa ficou particularmente feia para os indígenas (“estudar mata índio!”, dirão uns), mas o valor das idades em geral aumentou. Ainda assim, persiste a inusitada queda da idade modal de óbito para pessoas com escolaridade mais elevada.
Vejamos a idade modal das vítimas de homicídio em relação às categorias de escolaridade:
Gente que morre de morte matada tende a morrer cedo, mas há um padrão de aumento da idade modal de óbito para a categoria mais elevada de escolaridade (12 anos ou mais). Parece mesmo que investir nos estudos tende a desestimular o ingresso em certos tipos de criminalidade, ao menos para os homens.
Mas o que está havendo? Como “tankar o BR” se estudar mata?
Uma das possibilidades tem a ver com a enorme frequência dos NA, quando o campo “escolaridade” não é preenchido na declaração de óbito. Talvez haja desatenção ao preenchimento das fichas neste quesito e muito do “atraso ao morrer” esperado de quem tem maior escolaridade (muito por causa de renda e acesso aos serviços de saúde e saneamento) esteja escondido nos NA. Talvez haja excesso de zelo ao inserir corretamente a escolaridade de mortos com menor idade, e alguma desatenção ou descaso acerca deste item quando o óbito é de gente mais idosa.
Mas eis uma situação inusitada e bastante misteriosa, que merece maior investigação.